Cristãos Sem Igrejas
Este artigo é um ensaio sobre um tema ainda não esclarecido e resolvido: igreja nas casas. Ensaio porque é um tentativa do autor de colocar em ordem seus pensamentos, e que, para tanto precisa da compreensão e da ajuda do leitor.
O título acima é apenas para que o leitor entenda o sentido deste artigo, porque, na realidade não se pode separar o cristão da igreja. Se é cristão ele é da igreja. No sentido exato não deveria haver a separação, porque igreja e cristãos são amalgamados e, portanto inseparáveis. Mas, como o conceito de igreja ainda se restringe a locais, o título acima será entendido pelos que assim entendem, e pelos que têm revelação do verdadeiro sentido de igreja.
Na realidade quero escrever sobre um novo tipo de cristão, que desistiu de frequentar as missas de igrejas e que vem aumentando significativamente. Até porque igreja é igreja, sejam três ou centenas de irmãos reunidos estes formam a igreja. Como bem afirmou Inácio de Antioquia lá pelo ano 112, um dos pais da igreja do primeiro século: “Onde existem dois ou três reunidos em Nome de Jesus aí está a verdadeira igreja católica”, usando a palavra católica que quer dizer universal.
Percebo a cada dia, conversando com pessoas, lendo revistas, jornais e acessando a Internet um aumento expressivo de cristãos desiludidos com a igreja e que decidiram viver a vida cristã em casa. Alguns o fizeram conscientemente de que este é caminho, outros o fizeram por desespero de causa. Essa multidão de crentes se agarra a vídeos, cds e pregações transmitidos pela WEB tentando encontrar nesses meios uma palavra de Deus que lhes alimente, sacie sua sede e lhes fale ao coração. Conseqüentemente, os de maior poder aquisitivo acessam a Internet e a canais de TV pagos para assistirem os programas doutrinários (católicos ou não), enquanto os menos privilegiados acessam a noite e nos fins de semana os canais abertos. Parte deles, conscientes de que precisam dar dízimos e ofertas, alimentam com seus recursos a rede televisiva cristã, editoras dos pregadores comprando praticamente tudo o que lhes é oferecido.
Essa troca de valores – de sair da igreja templo onde deixavam seus dízimos e ofertas pelos programas de TV e compra de material cristão – proporciona que os apresentadores angariem recursos através de pedidos de ofertas e venda de material especialmente com os católicos sem-igreja. Não existe no Brasil uma pesquisa idônea para se saber o número desses cristãos sem-igrejas que optaram por viver a vida católica separadamente. Existem evidências, isto sim, de que isto esteja ocorrendo em vários países.
Este artigo analisará o tema sob dois aspectos. No primeiro abordo os aspectos negativos que levaram as pessoas a abandonar as missas e a se refugiarem em casa. Na segunda parte apresento os aspectos positivos dos que tiveram revelação de Deus para assumir o verdadeiro caráter da igreja caseira.
Causas - Tentarei apontar algumas causas para este desvio comportamental.
Frustração. Basicamente o que vem acontecendo é fruto de uma grande frustração sobre os rumos da vida religiosa das igrejas e dos descaminhos da vida cristã. Refletindo o tema quero apontar alguns fatores que estão levando os irmãos em Cristo a se frustrarem cada vez mais. O que escrevo não está em ordem seqüencial, são apenas pensamentos e sugestões que o leitor deve analisar consigo mesmo.
1. Desilusão com a estrutura eclesiástica.
Uma das grandes frustrações e desilusões tem a ver com a estrutura eclesiástica de algumas igrejas e denominações. Quando me refiro a igreja, separadamente de denominações refiro-me ao fato de que muitas igrejas locais não são denominações no sentido amplo da palavra, mas o são no sentido restrito, quer dizer, não estão ligadas a convenções, concílios, presbitérios ou sínodos através de laços estatutários; quanto ao sentido restrito refiro-me ao fato de que muitas delas não possuem estatutos claros. Ou o estatuto está na cabeça do pároco (líder), ou é desconhecido dos membros da igreja, o que sempre implica que possuem governos mais rígidos do que aquelas igrejas que têm estatutos. Estes últimos são piores que os primeiros.
Algumas denominações mantêm domínio e restringem a liberdade operacional das igrejas locais e de seus líderes, seja através de uma diretoria de convenção ou pela forte liderança pessoal de alguém, tiram ou colocam padres sobre as igrejas sem sequer respeitar a liderança local. Padres são colocados à frente da igreja por força de convenções, juntas, presbitérios e sínodos; cujas mesas diretoras esperam o momento de dividir o espólio da igreja local quando o padre comete um deslize ou venha a falecer. A igreja é obrigada a receber padres desconhecidos cuja vida ministerial é de completo desconhecimento dos irmãos. Algumas denominações agem assim, e, seus membros, quando esclarecidos recorrem a outros grupos, e, por conseguinte frustram-se novamente. O primeiro sintoma de um católico inconformado com sua liderança é que ele retém seus dízimos e ofertas ou entrega-o a alguém ou a outro grupo a seu bel-prazer.
O mesmo não acontece com grande parte das igrejas locais sólidas que não fazem parte de organização alguma. Estas operam de maneira suave, sem muita burocracia e sem muita carga sobre as pessoas.
2. Desilusão com a liderança eclesiástica.
Certas pessoas, às vezes, não têm opção nas cidades onde residem. Costumam encontrar igrejas paradoxais, isto é, opostas umas às outras. Em algumas, deparam-se com padres demasiadamente retóricos, com pregações aristotélicas sem respostas e soluções aos anelos de seus membros, e, se vão a outra igreja desencantam-se com padres que pecam pela falta de conhecimento bíblico e exegético. Percebe-se em muitos padres a ausência de uma pregação fundamentalmente bíblica. Pregadores que só usam um texto a pretexto de dizerem alguma coisa.
Alie-se tudo isto à grande desilusão que as igrejas têm com líderes e padres por quem nutriam grande respeito e os descobrem vivendo em pecados, em roubos e falcatruas além da falta de transparência quanto ao uso dos recursos financeiros. O aparente enriquecimento de alguns que vivem exclusivamente do ministério – não os que possuem outros meios, empresas, etc. – faz as pessoas se afastarem e a buscarem refúgio em suas casas. Alguns líderes enriquecem, sim, com os dízimos e ofertas dos leigos. Quero chamar a atenção do leitor para dois aspectos deste ponto.
Primeiro. Autoritarismo.
Ainda existe no Brasil resquício de uma cultura e civilização medieval, isto é, a cultura do autoritarismo, em que as pessoas gostam de gente autoritária e sentem-se seguras vivendo sob a tutela delas. Acostumadas que foram a viver debaixo da autoridade de fazendeiros, padres, prefeitos e “coronéis”, tais pessoas sentem segurança debaixo da mão de ferro de um "pastor", líder espiritual ou de um discipulador ditador e manipulador. Alguns líderes denominacionais impõem um caminho extremamente estreito – que eles mesmos não conseguiriam caminhar por ele – mas que é aceito pelo povo que se sente seguro quando é proibido de fazer isto ou aquilo. Um exemplo, apenas: Proíbem que membros da igreja usem televisão, e eles mesmos têm a maior tela plana em casa! Um líder espiritual me confidenciou: este povo se sente feliz e seguro quando é conduzido a cabresto! Com proibições. E exclusões. E reprimendas públicas. Um amigo me falou que alguns cristãos sentem-se bem com o masoquismo espiritual, porque gostam de “apanhar” e de serem xingados do púlpito, e ainda se alegram, exclamando: “Fala Deus! Bate mais, Papai!”. A antiga senzala apenas mudou de lugar. Certos líderes denominacionais são verdadeiros ditadores, temidos pelo povo que os respeita não como homens de Deus, mas porque temem por seu destino espiritual. São como os pastores protestantes amaldiçoadores. Assunto para outro artigo.
Segundo. Liberdade cristã. Mas existem os que aprenderam a ser livres e que descobriram que a vida cristã é feita de liberdade em Cristo, e que Cristo é a regra e o padrão para todos; aqueles que aprendem que tudo lhes é lícito, mas nem tudo lhes convêm, e que aceitam submeter-se ao jugo de Cristo apenas, já não conseguem pôr seu pescoço em cabrestos de homens. Aceitam o jugo de Cristo, não o de homens. Geralmente este tipo de controle que é imposto por líderes de todos os segmentos da igreja – estatutário, discipulado, etc., é fruto de líderes que estão preocupados, não com o bem-estar da igreja, mas consigo mesmos. Cristãos maduros em Cristo possuem uma percepção da vida cristã mais elevada e estão cada vez mais fugindo das grandes senzalas da fé.
3. Falta de conteúdo litúrgico.
Distorção das doutrinas básicas da fé. Desvios doutrinários. As pessoas estão se cansando de certas práticas religiosas, como receber unção disto e unção daquilo. Descobrem, depois, que a vida continua igual, sem respostas e sem soluções. Agregue-se a isto as falsas profecias dadas por profetas e profetizas e pregadores sapatinho de fogo, que só fazem barulho, confundindo gritos com poder de Deus. Pessoas sadias começam a fugir disto tudo. Além de que estão se cansando também dos missas barulhentas, de louvor e adoração demorados e sem a graça divina, etc. A missa robótica em que as pessoas são motivadas a fazerem coisas, a dizerem, a abraçarem, como se isto resolvesse os dilemas do povo passam a ser evitados.
4. Ausência de relacionamentos saudáveis
A frustração começa, especialmente com igrejas em que existem relacionamentos quebrados; igrejas que carecem de expressão familiar na vida dos irmãos. Pode-se observar que as pessoas fogem de dois tipos de igrejas: as que não têm relacionamento algum entre os membros, em que as pessoas entram e saem sem sequer serem notadas, e as que têm um relacionamento social intenso, mas não o do tipo bíblico. Porque no relacionamento bíblico tudo é feito com amor, e os mais de trinta mandamentos de reciprocidade são severamente observados por todos. No tipo de relacionamento não bíblico as pessoas sentem-se constrangidas, porque são obrigadas a abrir suas vidas ao discipulador, ao líder do encontro, ao padre, diácono etc e, com medo de perderem sua intimidade pessoal e familiar fogem para suas casas. Elas buscam o relacionamento cristão verdadeiro e não o relacionamento constrangedor e dominador, e, como não o encontram em algumas igrejas tradicionais, e se desiludem com o que lhes é apresentado em outros grupos, preferem ficar em casa a serem expostos a qualquer pessoa da igreja. Como falou uma irmã evangélica na primeira reunião de discipulado para sua nova discípula: Você tem que abrir sua vida pra mim! E como falou o pastor que tentava dar cobertura a outro pastor: Não esconda nada de mim.
Esses dois tipos de igrejas, uma sem relacionamento e a outra com relacionamentos não bíblicos vêm gerando uma nova safra de crentes em constante depressão espiritual. Por isso, quando se deparam com outras pessoas que possuem os mesmos dilemas, começam com elas a se reunir e formar novos grupos de sei lá o que!
(perdi a linha do raciocínio... depois eu continuo. Quem quiser aflorar um debate aqui, fique à vontade)