o Coma
Sabe quando você está num lugar que não sabe onde é, nem que dia ou hora, e de repente cai em si de que está só sem saber como chegou até ali, mas também não faz ideia como sair, tampouco o que fazer dali em diante, ainda que seja para mudar o cenário? Pois'é, eu sinto isso todos os dias inteiros em minha vida há quase exatos 25 anos. É um sentimento de coma profundo, no qual sinto estar vivendo no coma e meu corpo está deitado, entubado nalgum lugar lá fora, mas dentro de algum hospital ou mesmo um laboratório, e não existe nada que eu possa fazer para desligar a máquina ou acordar para viver a vida como eu sempre sonhei que poderia ser pra mim. Nesse coma eu como, durmo, acordo, respiro, tenho sexo, sinto sensações, sentimentos e até conheço pessoas, porém, ainda assim eu sinto que estou num hemisfério aprisionado, monitorado e controlado por quem está do outro lado me observando. É um sentimento sufocante, que às vezes me causa euforia, muito embora também me entristece e me deprime. Não há um só dia que eu possa dizer: "Poxa! Hoje valeu por todo o coma". Sinto que não realizarei sequer 1/4 daquilo que eu poderia ter feito e menos ainda poderia sentir. Mas não estou deprimido, estou sim é chateado. Para tudo o que faço não vejo apoio nem entregas, só exploração, oportunismo e vantagens sobre minha eterna paciência. Minha mente às vezes divaga tantos projetos grandiosos, lindos, poderosos e lucrativos, mas do jeito que nascem devem morrer, isto é, guardados no esquecimento. E olha que já fiz o absurdo para virar esse quadro clínico de coma profundo. Já viajei longas terras em busca de realizar ao menos um desses projetos, apresentei para N afortunados N projetos, me doei, me dei, me cedi tudo gratuitamente por muito tempo e só atraí oportunistas de toda natureza. Ao mesmo tempo em que tudo está ao alcance de minhas mãos para ser mudado, transformado, reinventado; simultaneamente nada está. Uma energia maior me mantém isolado e preso no silêncio profundo e gritante dessa bolha, desse coma. É como se meu corpo lá fora estivesse vegetativo e eu, aqui, bem aqui dentro estivesse nadando no nada, um nada escuro, cheio de água, em que meus pulmões nunca param de soltar bolhas de ar e eu nunca me afogo de vez na luta, na angústia de subir água acima, emergir, mas sem saber se eu estaria realmente subindo ou submergindo cada vez mais, ou seguindo em sentido lateral, arriscando nadar em círculo sem referencial de como sair dessa água morna, escura e sem luz de referência se denunciando para que rumo devo seguir. Esse coma me parece ser eterno. Vinte e cinco anos não é qualquer coma, mas sim O coma. E quanto mais eu esteja acordado dentro do meu próprio coma não vejo nem sei por onde devo começar a recomeçar, porque até isso eu já tentei e voltei para o coma de novo, me despertando no mesmo lugar escuro e morno, algo que não tem explicação e não consigo entender, apesar que vejo tudo acontecer e percebo que algo está acontecendo, sinto que uma força maior me mantém neste lugar, mas não vejo a mão que me segura, me prendendo aqui, nem corda, nem corrente, nem linha, simplesmente nada. Mesmo assim não consigo sair daqui, muito embora esteja a quilômetros de onde eu estava, já que não tenho referencial de partida nem de chegada, posso estar percorrendo milhas náuticas de submersão sem saber o quanto já percorri. Acordo todos os dias e presto muita atenção se estou realmente acordando do Coma, até que acredito estar vivendo de fato a minha vida, e num piscar de olhos estou no núcleo submerso do Coma, entendendo que estava apenas sonhando. E com isso eu sei que a vida lá fora está passando, acho que até consigo saber se estou acompanhando o progresso dos que estão acordados e me monitorando, só não sei quando irão me deixar despertar para levantar e viver a minha vida.