Quando o excesso dos pais sufoca os filhos

Pouco se fala sobre isso, mas há pais que, em nome do “amor” ou da “educação”, acabam se tornando verdadeiros algozes do desenvolvimento dos próprios filhos. E não estou falando de maus-tratos explícitos, mas de algo mais sutil — e, justamente por isso, mais devastador: o excesso.
O excesso de controle, o excesso de cobrança, o excesso de religiosidade, o excesso de vaidade, o excesso de trabalho. Tudo aquilo que ultrapassa a medida, ainda que pareça virtuoso, pode transformar-se em um veneno silencioso dentro da família. Existem pais que nunca souberam conversar com os filhos sobre futuro, escolhas ou conquistas. São centralizadores, narcisistas, que preferem guardar para si os discursos de motivação e deixar os filhos à mercê da sorte. Mas, paradoxalmente, são os primeiros a cobrar, a comparar, a diminuir. Quando um filho conquista algo, em vez de celebrar, desdenham. Talvez acreditem que esse tipo de humilhação seja estímulo para “crescer”. Insanidade pura. O que eles não percebem é que estão matando aos poucos a autoconfiança e a vontade de lutar. Filhos criados assim viram adultos apáticos, cheios de mágoas, com medo de arriscar, sem garra para prosperar. De outro lado, há mães (e também pais) que canalizam toda a sua existência para um único hábito, quase um vício. Alguns se enterram no trabalho, sacrificando saúde e bem-estar em nome de pacientes, clientes ou patrões. Outros transformam a fé em um cárcere: rezam sem parar, se isolam em práticas religiosas e perdem a capacidade de viver a vida em equilíbrio. Outros ainda se afogam em vaidade, obcecados pelo espelho e pelas aparências, sem perceber que o culto à própria imagem os torna cegos para o que acontece ao redor.
E qual é o efeito disso nos filhos? O afastamento.
A filha que cresceu com uma mãe escrava do espelho acaba rejeitando o cuidado com a própria aparência. O filho que viu o pai transformar o esporte em tortura abandona qualquer prática física, tornando-se sedentário. Aquele que conviveu com a fé sufocante, imposta sem diálogo, cresce com aversão à religião. É como se os filhos, exaustos pelo excesso dos pais, reagissem com o oposto, como forma de sobrevivência.
É doloroso dizer, mas há pais que não percebem que estão engessando o futuro de seus filhos. Congelam conquistas, matam sonhos, tornam o lar um ambiente pesado, onde a espontaneidade não floresce. E tudo isso sob a máscara de “dedicação”, “amor” ou “sacrifício”. Ninguém fala sobre isso. Parece um tabu. Afinal, quem ousa criticar um pai “trabalhador demais”? Ou uma mãe “religiosa demais”? Ou um pai “dedicado ao esporte”? Mas é justamente aí que mora o perigo: quando uma virtude é levada ao extremo, deixa de ser virtude e passa a ser prisão. O excesso dos pais não inspira, afasta. Não fortalece, enfraquece. Não aproxima, distancia. É uma tragédia silenciosa que atravessa gerações, porque filhos sufocados dificilmente aprendem a ser pais equilibrados.
Pais e mães precisam compreender: amor não é sobre controle, é sobre espaço. Fé não é sobre medo, é sobre liberdade. Trabalho não é sobre escravidão, é sobre propósito. Vaidade não é sobre espelho, é sobre autoestima. Quando esquecemos essas medidas, não estamos educando — estamos deformando. E talvez seja hora de parar de fingir que isso não acontece. É preciso falar, criticar, expor, sim. Porque enquanto calarmos, famílias continuarão sendo destruídas não pelo que falta, mas pelo que sobra.
E há saída?
Sim. Mas ela exige coragem. Coragem de reconhecer que o excesso não é virtude, mas distorção. Coragem de admitir que aquilo que parecia dedicação pode, na verdade, estar sufocando. Para os pais, o primeiro passo é olhar para dentro. Perguntar-se: “Será que meu filho está crescendo com medo de errar? Será que ele sente que precisa me agradar o tempo todo? Será que, na tentativa de guiá-lo, estou na verdade tirando dele a chance de caminhar sozinho?”. A resposta, muitas vezes, é dura. Mas só quem encara essa verdade pode mudar.
Para os filhos, o caminho é de reconstrução. Não é simples carregar feridas deixadas pelo excesso dos pais. Mas é possível ressignificar: buscar apoio, terapia, espiritualidade livre, hobbies, novos círculos de amizade. É possível descobrir a própria voz, ainda que ela tenha sido abafada por anos.
Famílias mais saudáveis não se constroem no silêncio e na omissão. Precisam de diálogo, de respeito ao espaço individual, de equilíbrio. Um pai não precisa ser perfeito, uma mãe não precisa ser santa. O que os filhos precisam é de presença verdadeira, de amor que orienta sem aprisionar, de fé que liberta e não que sufoca. Pais e mães que aprendem a dosar encontram algo precioso: filhos que não se afastam, mas se aproximam. Filhos que não rejeitam, mas se inspiram. Filhos que carregam consigo a herança mais importante: não o peso do excesso, mas a leveza do equilíbrio.
E para os filhos já adultos?
Há filhos que cresceram sob o peso desses excessos e hoje, já adultos, carregam feridas abertas. Alguns estão cansados, outros ressentidos, muitos sem forças para recomeçar. E, para piorar, os pais já estão idosos, rígidos em seus hábitos, quase inalcançáveis ao diálogo.
O que fazer então?
A primeira resposta é dura, mas libertadora: não espere que eles mudem. Pais idosos dificilmente abandonarão padrões de uma vida inteira. Esperar reconhecimento, pedidos de perdão ou transformações tardias pode ser apenas prolongar a dor. Mas isso não significa condenação. Significa redirecionar o foco: em vez de olhar para o que seus pais não podem mais dar, olhe para o que você ainda pode construir.
Corte o ciclo: escolha conscientemente não reproduzir com seus filhos (ou com quem você ama) o que te feriu.
Busque apoio: terapia, espiritualidade saudável, bons amigos — tudo isso ajuda a ressignificar a dor e devolver fôlego à caminhada.
Dê limites: mesmo idosos, pais podem continuar exigindo, cobrando ou manipulando. É legítimo e necessário estabelecer barreiras emocionais. Amar não significa se deixar aprisionar.
Redescubra sua vida: ainda há tempo para cultivar lazer, conquistas, sonhos que talvez nunca tenham sido autorizados dentro de casa. A autorização agora é sua.
É doloroso admitir que algumas feridas não serão curadas pelo pedido de desculpa que nunca virá. Mas elas podem ser cicatrizadas quando o filho adulto decide cuidar de si, e não mais esperar que seus pais façam aquilo que não conseguiram. Quanto a honrar pai e mãe, sempre é importante e necessário cuidar, proteger e cercá-los de atenção, sabendo filtrar sem reagir como enfrentamento. Honrar é ter compaixão. Porque, no fim das contas, libertar-se desse peso não é desonrar pai e mãe. É, ao contrário, honrar a própria vida — e dar a ela o equilíbrio que nunca recebeu.